Nova lei aprovada pela Câmara dos Deputados torna ilícito o abandono afetivo. Veja como essa medida impacta a responsabilidade dos pais e responsáveis.
Introdução
O Projeto de Lei 3012/2023, que torna o abandono afetivo um ato ilícito, foi aprovado em maio de 2024, pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados.
Entretanto, antes de falarmos sobre o Projeto é importante entender os conceitos de abandono efetivo e os impactos gerados na vida das crianças.
O abandono afetivo é um fenômeno que se manifesta quando pais, mães ou responsáveis legais negligenciam emocionalmente seus filhos, privando-os de carinho, atenção e suporte emocional necessários para um crescimento saudável.
Diante deste cenário, decidimos escrever esse texto para avaliar a importância e os impactos da aprovação do Projeto de Lei que torna esse tipo de abandono um ato ilícito, ou seja, sujeito a sanções e reparações legais. Acompanhe!
O que é abandono afetivo e como se manifesta
Abandono afetivo é a negligência emocional por parte dos pais, mães ou responsáveis legais em relação aos seus filhos.
Diferente do abandono material, que envolve a falta de suporte financeiro, o abandono afetivo refere-se à falta de carinho, atenção, apoio emocional e presença na vida da criança ou adolescente.
É inegável que esse tipo de abandono causa consequências profundas e duradouras na vida das crianças, afetando seu bem-estar emocional, psicológico e social.
Como se manifesta o abandono afetivo
O abandono afetivo pode se manifestar de várias formas, incluindo, mas não se limitando a ausência física e emocional, negligência na comunicação; negligência afetiva e psicológica; desprezo e desrespeito; etc.
- Falta de Presença: o responsável não passa tempo com a criança, não participa de eventos importantes, como reuniões escolares, aniversários ou atividades extracurriculares.
- Desinteresse emocional: o responsável não demonstra interesse ou preocupação com os sentimentos, problemas ou realizações da criança.
- Falta de diálogo: não há conversas regulares ou significativas entre o responsável e a criança, dificultando a construção de um vínculo emocional.
- Desvalorização dos sentimentos: os sentimentos e opiniões da criança são frequentemente ignorados ou desconsiderados.
- Negligência afetiva e psicológica: ausência de demonstrações de carinho, como abraços, beijos e palavras de apoio. O responsável não se envolve no desenvolvimento emocional, educacional e social da criança.
- Ausência em momentos difíceis: o responsável não oferece apoio emocional durante crises, como doenças, perdas ou dificuldades escolares.
- Indiferença perante conquistas: falta de celebração ou reconhecimento das conquistas e progressos da criança.
- Desprezo e desrespeito: a criança é tratada com indiferença ou desprezo contínuo, afetando sua autoestima. Além disso, o responsável pode menosprezar ou ridicularizar a criança, causando-lhe danos emocionais.
Consequências emocionais e sociais do abandono afetivo
As consequências do abandono afetivo podem ser severas e duradouras, impactando diversos aspectos da vida de uma criança ou adolescente. Além disso, conforme apontam os psicólogos, esses impactos geralmente acompanham na fase adulta e refletem em vários aspectos nas esferas comportamentais, ambientais e sociais.
Primeiramente, a baixa autoestima é uma das principais repercussões, manifestando-se em sentimentos de inadequação e falta de valor pessoal.
Crianças que não recebem o devido apoio emocional podem crescer acreditando que não são dignas de amor ou atenção, o que afeta profundamente sua confiança e autoimagem.
Ansiedade e depressão
Crianças negligenciadas emocionalmente têm maior risco de desenvolver ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos. A falta de apoio e cuidado pode levar a sentimentos persistentes de tristeza e desesperança, bem como a uma visão negativa de si mesmas e do mundo ao seu redor.
Queda no desempenho escolar
O desempenho escolar dessas crianças também pode ser significativamente comprometido. Sem o apoio e a motivação necessários, elas enfrentam dificuldades, refletindo em notas baixas, falta de interesse pelos estudos e problemas de comportamento na escola.
Contudo, a ausência de incentivo emocional e de acompanhamento nos estudos também prejudica a capacidade de concentração e o interesse pelas atividades escolares.
Fase adulta
Além disso, o abandono afetivo pode resultar em dificuldades de relacionamento na vida adulta. Indivíduos que não experimentaram vínculos afetivos saudáveis durante a infância frequentemente enfrentam problemas ao estabelecer e manter relações saudáveis.
Geralmente apresentam dificuldades em confiar nos outros, sentir-se vulneráveis em relacionamentos íntimos ou replicar padrões de negligência e desapego que vivenciaram.
Por fim, o abandono afetivo pode levar a comportamentos de risco. A falta de orientação e supervisão aumenta a propensão dessas crianças a se envolverem em atividades perigosas, como o uso de substâncias ilícitas, comportamentos delinquentes e outras formas de autodestruição.
A busca por formas de preencher o vazio emocional deixado pela negligência pode levar essas crianças a tomar decisões impulsivas e prejudiciais.
Abandono Efetivo aos olhos da Lei
Conforme o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) estabelecem que os pais e responsáveis têm o dever geral de cuidado, criação e convivência familiar com seus filhos, além de protegê-los contra negligência, discriminação, violência e outros males.
Embora não seja possível obrigar um pai a amar seu filho, a legislação garante às crianças o direito de serem cuidadas. Similarmente, aqueles que negligenciam ou omitem seu dever de cuidado podem ser judicialmente responsabilizados por causar danos morais aos filhos.
Um exemplo típico de abandono afetivo ocorre quando o responsável não aceita o filho e expressa desprezo por ele.
Para exemplificar, em uma decisão, onde um pai foi condenado a indenizar sua filha por abandono afetivo, um desembargador do TJDFT destacou: “Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”.
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Fonte: Reprodução total – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
Sobre o Projeto de Lei 3012/2023 que torna ato ilícito o abandono afetivo
No contexto jurídico, um ato ilícito é sobretudo, definido como qualquer ação ou omissão que infrinja a lei e cause dano a outra pessoa. De acordo com o Código Civil, atos ilícitos obrigam o autor a reparar os danos causados. No caso do abandono afetivo, isso significa que o responsável pela negligência emocional pode ser juridicamente obrigado a compensar a vítima pelos prejuízos sofridos.
O Projeto de Lei 3012/2023 foi aprovado recentemente pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados.
Em sua ementa, prevê a alteração da Lei nº 8.064, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)m e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2022 (Código Civil), para dispor sobre a assistência afetiva e sobre as medidas preventivas e compensatórias do abandono afetivo dos filhos.
Veja a íntegra da PL 3012/2023
O texto é de autoria da deputada Juliana Cardoso (PT-SP) para tornar ilícito o abandono afetivo de filhos por pai, mãe ou representante legal, desde que as consequências negativas do abandono sejam efetivamente comprovadas.
Principais objetivos
Além de envolver o Conselho tutelar e o Poder Público em ações de prevenção e conscientização sobre o abandono afetivo, enfatizando a responsabilidade compartilhada e a participação ativa de ambos os pais na criação dos filhos, o Projeto de Lei 3012/2023 similarmente busca:
a) Classificar o abandono afetivo como ato ilícito: tornar o abandono afetivo de filhos por pai, mãe ou representante legal um ato ilícito, desde que comprovadas as consequências negativas desse abandono.
b) Modificar a legislação existente: alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil para incluir disposições específicas sobre o abandono afetivo, prevenindo e compensando esse tipo de negligência.
c) Estabelecer a necessidade de comprovação dos danos: reforçar a necessidade de comprovar as consequências negativas do abandono afetivo para que seja considerado ato ilícito, garantindo que cada caso seja avaliado de forma específica.
d) Prevenir a “monetarização do afeto”: assegurar que a indenização por abandono afetivo não seja vista apenas como uma compensação financeira, mas sim como uma medida justa e cautelosa, conforme destacado pela relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).
e) Responsabilizar representantes legais: incluir a possibilidade de penalização de representantes legais (como avós, tios, irmãos) pelo dano causado pelo abandono afetivo, ampliando o escopo de responsabilidade.
f) Promover medidas de prevenção e conscientização.
Esses objetivos buscam garantir uma proteção mais ampla e eficaz para as crianças e adolescentes, responsabilizando os responsáveis legais e promovendo um ambiente de cuidado e suporte emocional adequado.
Próximo Passo
A proposta está em análise em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Conclusão: Importância de Leis específicas para o abandono afetivo
A implementação de leis específicas para o abandono afetivo é de extrema relevância. Isso porque reconhece a importância do cuidado emocional e psicológico no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.
Diferente do abandono material, que envolve a falta de suporte financeiro, o abandono afetivo trata da negligência emocional, muitas vezes invisível, mas profundamente prejudicial.
Sobretudo, leis específicas ajudam a assegurar que os direitos das crianças ao afeto, cuidado e atenção sejam protegidos, pois proporcionam uma base legal para que esses direitos sejam efetivamente exigidos.
Além disso, essas leis servem como um mecanismo de responsabilização para pais e responsáveis que negligenciam seu dever de cuidado emocional.
Consequências Legais
Ao definir claramente as consequências legais do abandono afetivo, a legislação não apenas previne a negligência, mas também oferece um caminho para reparação dos danos causados.
Dessa forma, busca-se garantir que as crianças afetadas tenham acesso à justiça. Além disso que possam também, buscar compensações que ajudem a mitigar os efeitos negativos de uma infância marcada pela falta de apoio emocional.
Se você presenciou alguma manifestação de abandono do lar efetivo ou conhece alguém que sofre com isso, considere incentivar ou buscar o apoio jurídico especializado.
Acima de tudo, é uma maneira de proteger a criança e o adolescente.
Fonte:
Câmara dos Deputados
Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT