Quando os transtornos psicológicos viram doenças ocupacionais.

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Entenda os transtornos psicológicos relacionados ao trabalho, quando são considerados doenças ocupacionais e como buscar apoio médico e jurídico.

Introdução

Nos últimos anos, a saúde mental no ambiente de trabalho tem ganhado uma atenção crescente. 

Dados de 2024 divulgados recentemente pelo Ministério da Previdência Social mostram que o Brasil vive uma crise de saúde mental, com mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais.

O maior número registrado nos últimos dez anos.

Diante deste cenário, cada vez mais, as empresas e os trabalhadores estão percebendo que transtornos psicológicos, como a ansiedade e a depressão, são tão debilitantes quanto as doenças físicas. 

O que muitas vezes passa despercebido, no entanto, é que esses problemas emocionais podem, sim, ser classificados como doenças ocupacionais

Mas afinal, o que caracteriza um transtorno psicológico relacionado ao trabalho e como isso impacta os direitos do trabalhador?

Neste post, explicamos como os transtornos psicológicos surgem devido a fatores no ambiente de trabalho, quando esses distúrbios são considerados doenças ocupacionais e, o mais importante, como proteger os direitos e o bem-estar dos trabalhadores afetados. 

Diferença entre transtornos psicológicos e doenças ocupacionais

Quando falamos sobre saúde mental e ambiente de trabalho, é comum surgirem dúvidas sobre o que realmente caracteriza uma doença ocupacional e como ela se diferencia dos transtornos psicológicos. 

Por isso, é importante entender esses conceitos, principalmente quando o assunto envolve direitos e deveres no ambiente profissional.

Afinal, o que são doenças ocupacionais?

De acordo com a legislação brasileira, mais especificamente o artigo 20 da Lei nº 8.213/91, as doenças ocupacionais são aquelas adquiridas ou desencadeadas em função do trabalho ou das condições em que ele é realizado. 

Ou seja, o trabalho precisa ter relação direta com o surgimento da doença.

Existem dois tipos principais de doenças ocupacionais:

  • Doenças profissionais: aquelas causadas pela atividade exercida, como por exemplo, a perda auditiva de quem trabalha exposto a ruídos excessivos.
  • Doenças do trabalho: provocadas pelas condições do ambiente, como problemas respiratórios de quem trabalha exposto a substâncias tóxicas.

E onde entram os transtornos psicológicos?

Aqui vale uma pausa importante: os transtornos psicológicos, como depressão, ansiedade ou síndrome de burnout, muitas vezes não têm uma origem externa e física, como vírus ou bactérias. 

Eles surgem, na maioria das vezes, da forma como o indivíduo lida com as pressões diárias, o estresse e as situações desafiadoras — e o trabalho também é muitas vezes um desses gatilhos.

Porém, quando o ambiente profissional contribui diretamente para o desenvolvimento ou agravamento de um transtorno psicológico, ele é reconhecido como uma doença ocupacional. 

Um exemplo cada vez mais comum é o burnout, já considerado uma síndrome ligada exclusivamente ao esgotamento no ambiente de trabalho.

Saiba mais:

Síndrome de Burnout, uma doença do trabalho

Qual é a principal diferença, então?

Enquanto doenças como uma infecção ou uma alergia respiratória têm causas mais visíveis e externas, os transtornos psicológicos são, na maioria das vezes, silenciosos e internos, embora os impactos sejam igualmente graves.

Além disso, o diagnóstico das doenças ocupacionais geralmente envolve uma ligação clara com o trabalho. 

Já os transtornos psicológicos geralmente têm múltiplas causas, o que exige um olhar mais atento de médicos e empregadores para garantir que o trabalhador receba o suporte necessário.

Quando os transtornos psicológicos são considerados doenças ocupacionais

Você sabia que transtornos psicológicos podem, sim, ser reconhecidos como doenças ocupacionais? 

Embora nem todo problema de saúde mental tenha relação direta com o trabalho, existem situações em que o ambiente profissional se torna o principal fator para o adoecimento psicológico. E, nesses casos, a legislação brasileira prevê a proteção ao trabalhador.

O que caracteriza transtorno psicológico como doença ocupacional 

Para que um transtorno psicológico seja caracterizado como doença ocupacional, é necessário observar alguns critérios legais e médicos. 

Em outras palavras, não basta o trabalhador apresentar sintomas de ansiedade ou depressão. É preciso então, que exista uma relação clara entre o trabalho e o surgimento ou agravamento desse quadro.

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID) e a legislação trabalhista, o primeiro passo é comprovar o nexo causal, isto é, a ligação entre a atividade profissional e o transtorno psicológico diagnosticado.

Situações que geram esse tipo de doença

Embora cada caso precise ser analisado individualmente, existem situações no ambiente de trabalho que são conhecidas por contribuírem — e muito — para o desenvolvimento de transtornos psicológicos. Entre elas, estão: 

  • Exposição contínua ao estresse: cobrança excessiva por resultados, prazos impossíveis de cumprir e falta de reconhecimento podem levar o trabalhador ao esgotamento emocional.
  • Condições de trabalho insalubres ou perigosas: lidar diariamente com riscos à integridade física ou à saúde mental fragiliza qualquer um.
  • Assédio moral ou psicológico: humilhações constantes, perseguições e constrangimentos repetidos também são grandes responsáveis pelo adoecimento mental.

Em todas essas situações, o trabalhador tem o direito de buscar ajuda. Afinal, a saúde mental também faz parte das garantias previstas na legislação.

Entenda os transtornos psicológicos relacionados ao trabalho, quando são considerados doenças ocupacionais e como buscar apoio médico e jurídico.
Transtornos psicológicos relacionados ao trabalho. (Foto: Freepik).

A importância do laudo médico

Além disso, é fundamental ter um laudo médico que ateste o diagnóstico e estabeleça a relação entre o transtorno e o ambiente de trabalho. 

Esse documento será fundamental para que o trabalhador tenha acesso aos seus direitos, como o afastamento pelo INSS ou até mesmo a estabilidade no emprego em alguns casos.

Por isso, se você ou alguém que conhece está passando por algo parecido, não hesite em buscar apoio médico e jurídico. Cuidar da saúde mental é um direito, e acima de tudo, o trabalho não pode ser fonte de sofrimento.

Como os transtornos psicológicos impactam o trabalhador e a empresa

Ao falarmos sobre saúde mental no trabalho, sem dúvida, os impactos não atingem apenas o trabalhador. 

Contudo, as consequências se estendem também para a empresa, afetando o clima organizacional, a produtividade e até o financeiro do negócio. 

Por isso, vale a pena entender o que está em jogo quando os transtornos psicológicos não recebem a devida atenção.

Efeitos diretos na vida do trabalhador

Para começar, o trabalhador é quem mais sente os reflexos de um transtorno psicológico relacionado ao trabalho. 

Problemas como ansiedade, depressão e síndrome de burnout afetam diretamente a qualidade de vida, trazendo sintomas que vão desde cansaço extremo até crises de pânico e dificuldade de concentração.

Com o passar do tempo, é comum que o profissional precise se afastar das atividades, seja por alguns dias ou até mesmo por longos períodos. 

Além disso, o rendimento cai, a produtividade despenca e até as relações pessoais e familiares acabam sendo prejudicadas. Ou seja, o impacto vai muito além do ambiente de trabalho e afeta a vida como um todo.

Consequências para a empresa

Por outro lado, a empresa também sente os efeitos desses transtornos. Um dos primeiros sinais é o aumento do absenteísmo com as faltas frequentes e os afastamentos médicos. Isso sobrecarrega outros colaboradores e até desorganiza o andamento das tarefas.

Sobretudo, o clima da equipe tende a piorar. Afinal, trabalhar em um ambiente no qual colegas adoecem ou não recebem o suporte necessário acaba gerando quedas e na motivação do grupo.

Sem falar no risco de ações trabalhistas, principalmente quando o trabalhador comprova que o ambiente profissional contribuiu para o seu adoecimento. 

Nesses casos, a empresa corre o risco de ser responsabilizada e ter que arcar com indenizações e outras penalidades previstas em lei. 

A legislação brasileira e o reconhecimento de doenças ocupacionais

Em relação ao reconhecimento das doenças ocupacionais, a legislação brasileira traz regras claras sobre os direitos dos trabalhadores. 

Aos poucos, os transtornos psicológicos também vêm ganhando espaço nesse cenário, sendo reconhecidos como consequência direta das condições de trabalho.

O que diz a lei sobre os transtornos psicológicos relacionados ao trabalho

De acordo com o artigo 20 da Lei nº 8.213/91, são consideradas doenças ocupacionais aquelas que têm relação direta com o exercício do trabalho. 

Essa relação ocorre de duas formas:

  • Doença profissional: diretamente ligada à atividade exercida.
  • Doença do trabalho: provocada pelas condições em que o trabalho é realizado.

O mesmo artigo destaca que doenças comuns ou endêmicas não são consideradas ocupacionais — a não ser que fiquem comprovadas como resultados das atividades ou do ambiente de trabalho.

Como os transtornos psicológicos são reconhecidos

Embora a legislação não cite diretamente os transtornos psicológicos, decisões judiciais e entendimentos da Justiça do Trabalho vêm ampliando essa visão. 

Hoje, há o reconhecimento de que doenças como depressão, síndrome de burnout, ansiedade generalizada e outros transtornos emocionais podem sim ser consideradas ocupacionais, desde que comprovada a relação com o trabalho.

Inclusive, a síndrome de burnout foi oficialmente reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um fenômeno ligado ao trabalho, o que fortalece ainda mais o entendimento de que o adoecimento mental precisa ser levado a sério no ambiente profissional.

Como solicitar o reconhecimento da doença ocupacional

Se o trabalhador está enfrentando um transtorno psicológico relacionado ao trabalho, é possível solicitar o reconhecimento como doença ocupacional. Para isso, alguns passos são fundamentais:

Sem dúvida, o primeiro passo é buscar atendimento médico. O profissional da saúde vai avaliar o quadro e emitir um laudo detalhado, indicando o diagnóstico e a possível relação com o trabalho.

Em seguida, o trabalhador precisa comunicar a empresa. O empregador deve ser informado, inclusive para emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), documento essencial para o processo.

Com a CAT e o laudo médico em mãos, o trabalhador pode solicitar ao INSS, o benefício por incapacidade, se for o caso, e garantir seus direitos.

Vale lembrar que o reconhecimento da doença ocupacional também garante ao trabalhador estabilidade no emprego por até 12 meses após o retorno ao trabalho, além de outros direitos previdenciários.

Prevenção e gestão de transtornos psicológicos no ambiente de trabalho

Prevenir sempre será o melhor caminho! Isso vale tanto para proteger o trabalhador quanto para manter a empresa saudável e produtiva. 

Felizmente, cada vez mais organizações estão percebendo a importância de olhar com atenção para esse tema e investir em ações concretas.

O que as empresas podem fazer

Existem diversas medidas que devem ser adotadas para reduzir os riscos de adoecimento psicológico no ambiente de trabalho. 

Veja algumas delas:

Programas de saúde mental no trabalho

Uma das iniciativas mais eficazes é criar programas de saúde mental dentro da empresa. 

Esses programas incluem palestras, rodas de conversa, campanhas de conscientização e até mesmo acompanhamento psicológico para os colaboradores.

O objetivo principal é, portanto, mostrar que a empresa se importa com o bem-estar de todos e está aberta ao diálogo quando o assunto é saúde mental.

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Treinamento de lideranças

Outro ponto fundamental é capacitar as lideranças. Muitas vezes, gestores despreparados acabam sendo uma das principais fontes de estresse para a equipe, mesmo sem perceber. 

Por isso, treinar líderes sobre inteligência emocional, empatia e gestão humanizada faz toda a diferença.

Acima de tudo, lideranças bem preparadas são capazes de identificar sinais de adoecimento mental, agir com acolhimento e até evitar situações de assédio moral ou sobrecarga.

Políticas de apoio psicológico

Além disso, implementar políticas de apoio psicológico é uma forma prática de oferecer suporte aos colaboradores. Isso pode incluir convênios com psicólogos, criação de canais de escuta, ou até a oferta de sessões de terapia dentro da própria empresa.

Quando o trabalhador sabe que tem ajuda disponível, ele se sente mais seguro para buscar apoio antes que a situação se agrave.

Ambiente de trabalho saudável e respeitoso

Por fim, mas não menos importante, criar um ambiente de trabalho saudável e respeitoso é o pilar de tudo. Isso significa valorizar o diálogo, garantir condições adequadas para o desempenho das funções e, acima de tudo, cultivar o respeito entre colegas e superiores.

Empresas que investem nesse tipo de ambiente não só evitam o adoecimento psicológico, como também ganham em produtividade, engajamento e retenção de talentos.

Vale lembrar

Cuidar da saúde mental não é apenas um diferencial, é uma necessidade. E quanto antes as empresas entenderem isso, mais cedo terão equipes mais fortes, motivadas e saudáveis.

Saúde mental também faz parte da vida profissional!

Falar sobre os transtornos psicológicos como doenças ocupacionais é, acima de tudo, reconhecer que a saúde mental também faz parte da vida profissional. 

Assim como as doenças físicas, os distúrbios emocionais muitas vezes são desencadeados, ou agravados pelas condições de trabalho, trazendo sérias consequências para o trabalhador e para a empresa.

Contudo, a legislação brasileira já reconhece essa relação, garantindo direitos aos trabalhadores que adoecem mentalmente em decorrência do ambiente profissional. 

Mas também não basta apenas reagir aos problemas quando eles aparecem, a prevenção e o cuidado constante são os melhores caminhos. 

Se você enfrenta uma situação como essa ou tem dúvidas sobre seus direitos, fale com a equipe da Dal Piaz Advogados. 

E lembre-se: buscar apoio de um psicólogo ou psiquiatra é essencial para cuidar bem da sua saúde mental.

Acompanhe mais conteúdos sobre seus direitos no blog da Dal Piaz Advogados e nas nossas redes sociais. 

Informação é o primeiro passo para se proteger!

Fonte:

Agência Brasil 

LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991 

Organização Mundial da Saúde (OMS)

Portal G1 

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