Combate à discriminação no trabalho por doenças psiquiátricas: reflexões a partir de um julgamento do TST

Compartilhe:

Motorista de caminhão demitido durante tratamento de transtorno bipolar afetivo tem reviravolta no processo e acende um alerta sobre o combate à discriminação no trabalho por doenças psiquiátricas.

Muitas pessoas que sofrem com transtornos psiquiátricos têm enfrentado estigmas e preconceitos. A discriminação no ambiente de trabalho se manifesta de várias formas, desde a recusa de contratar indivíduos com histórico de saúde mental até a marginalização e exclusão do ambiente profissional.

Recentemente o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou um caso em que um empregador decidiu rescindir o contrato de trabalho de um motorista carreteiro com transtorno afetivo bipolar, reforçando a necessidade de debater o combate à discriminação no trabalho.

O processo ocorreu no Paraná e repercutiu em vários órgãos competentes gerando questionamentos sobre a questão dos conceitos de empatia, igualdade e dignidade do ser humano no ambiente de trabalho.

Para saber mais sobre o assunto e o desfecho do processo do motorista carreteiro, acompanhe o artigo abaixo.

Entenda o caso do motorista carreteiro

O trabalhador foi contratado em 2012 e dispensado em setembro de 2013. No momento da dispensa ele não estava apto para o trabalho e aguardava a decisão judicial sobre o restabelecimento de um benefício previdenciário.

Mesmo sendo de conhecimento da empresa dos sucessivos afastamentos previdenciários, houve a demissão. Descontente o motorista entrou com uma ação judicial para indenização por danos morais e nulidade da rescisão. Ele teve o auxílio-doença restabelecido de forma retroativa com data anterior à rescisão do contrato.

O caso ocorreu no Paraná e gerou muitas discussões dos órgãos competentes como o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e Tribunal Superior do Trabalho (TST) acerca da rescisão discriminatória por transtornos psiquiátricos.

De um lado o TRT entendeu que o transtorno afetivo bipolar não se enquadra como “doença grave que suscite estigma ou preconceito”. Do outro, o TST com um entendimento diferente, destacou que não se sustenta a tese definida no acórdão regional de que os transtornos psiquiátricos encontram-se absolutamente desconectados da ciência e da realidade social.

O TST entendeu que a empregadora não queria manter em seu quadro funcional um trabalhador “suscetível à essa doença” no caso do transtorno afetivo bipolar. Como decisão unânime, o TST “recomenda que o magistrado de primeiro grau proceda ao arbitramento do quantum devido (pagamento devido) ao trabalhador”.

Mesmo com a decisão unânime foram apresentados recursos que ainda não foram julgados.

Implicações legais relacionadas à discriminação no trabalho

A discriminação de pessoas com doenças graves, incluindo o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), no ambiente de trabalho pode se manifestar de várias maneiras como recusa de emprego, demissão injusta e tratamento desigual.

Existem várias leis específicas que protegem os trabalhadores contra a discriminação nas empresas. O TST também mantém a súmula 443 que trata a dispensa discriminatória de empregados portadores de doenças graves como estigma (desonroso) ou preconceito.

A legislação brasileira caracteriza a discriminação no ambiente de trabalho de pessoas com doenças graves como uma prática ilegal e passível de punição, visando garantir dignidade, direitos e inclusão desses trabalhadores na sociedade.

O recente julgamento apresentado acima, no qual um trabalhador foi dispensado por ser portador de transtorno afetivo bipolar e a decisão do TST considerada como discriminatória, tem repercussões significativas que podem influenciar futuras decisões judiciais relacionadas à discriminação por doença no trabalho.

Essa decisão estabelece um importante precedente ao reconhecer que a dispensa de um trabalhador com base em sua condição de saúde mental constitui discriminação, violando os seus direitos fundamentais. Tal entendimento reforça a proteção legal dos trabalhadores contra a discriminação no ambiente de trabalho, especialmente aqueles que enfrentam transtornos psiquiátricos.

Tem casos semelhantes tramitando na justiça e todos trazem considerações importantes para lidar com este tipo de ação. Também é preciso lembrar que discriminação por doenças ocupacionais e aposentadoria são passíveis trabalhistas e podem acarretar em inúmeras ações judiciais.

Transtornos Psiquiátricos no Ambiente de Trabalho

É necessário enfrentar com sensibilidade e compreensão a realidade dos transtornos psiquiátricos no ambiente de trabalho. Muitas indivíduos que sofrem desses transtornos enfrentam estigmas e preconceitos que podem levar à discriminação no emprego, como demonstrado no caso julgado pelo TST.

Transtorno da ansiedade, depressão, transtorno bipolar e transtorno de estresse pós-traumático estão entre os distúrbios psiquiátricos mais comuns encontrados no ambiente de trabalho. Essas condições, além de prejudicar a qualidade de vida e a saúde mental do trabalhador, podem afetar a capacidade de desempenhar suas funções de maneira eficaz gerando muitas vezes, falas preconceituosas e discriminatórias.

A estigmatização dos transtornos psiquiátricos se manifesta de várias formas, desde piadas e comentários insensíveis até discriminação explícita na contratação, promoção e tratamento no ambiente de trabalho.

Isso pode levar as pessoas a esconderem as suas condições de saúde mental por medo de represálias ou julgamentos e pode dificultar o acesso ao apoio necessário e ao tratamento adequado. Esse tipo de comportamento também pode representar capacitismo e pode trazer consequências graves no âmbito emocional de quem é vítima e judicial de quem comete.

Faz-se necessário compreender que os transtornos psiquiátricos são condições legítimas e podem afetar a capacidade de uma pessoa e isso não deve ser motivo para tratamento desigual ou injusto no ambiente de trabalho.

Julgamento do TST acende alerta para o combate a discriminação no ambiente de trabalho por doenças psiquiátricas.
Combate à discriminação no trabalho (Foto: Freepik)

Direitos dos trabalhadores com transtornos psiquiátricos

Leis trabalhistas e previdenciárias garantem uma série de direitos e proteções específicas para pessoas com transtornos psiquiátricos. O principal objetivo é assegurar a inclusão no mercado de trabalho e proteger a saúde e bem-estar desses trabalhadores.

A Lei da Reforma Psiquiátrica nº 10.2016, de 6 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial à saúde mental.

Esta lei prevê:

  • garantias e direitos como o de exercer atividade profissional;
  • de ser incluído em políticas de reservas de trabalho em empresas de natureza pública e privada com o objetivo de promover a inclusão social;
  • garantia do direito à igualdade de oportunidade de empresa,
  • assegura proteção contra a exploração e a demissão do trabalho exclusivamente por motivo de transtorno mental; entre outros.

O INSS garante benefícios previdenciários para pessoas com transtornos psiquiátricos, incluindo auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Para requerer é necessário que o trabalhador comprove a incapacidade por meio de perícia médica e outros requisitos estabelecidos.

O INSS também oferece serviços de reabilitação profissional para trabalhadores incapacitados, visando sua reintegração ao mercado de trabalho. Esses serviços podem incluir cursos de capacitação, adaptação do ambiente de trabalho e acompanhamento profissional.

Proteção contra discriminação

A Constituição Federal de 1988 estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem qualquer forma de discriminação. Isso inclui a proteção contra a discriminação no ambiente de trabalho com base em condições de saúde, como transtornos psiquiátricos.

A Lei nº 9.029/1995 proíbe a prática de qualquer ato discriminatório relacionado à condição de saúde do trabalhador, incluindo a dispensa por motivo de doença ou deficiência.

O TST tem jurisprudência consolidada para considerar discriminatória a dispensa de um trabalhador por motivo de saúde, incluindo transtornos psiquiátricos.

Estabilidade no emprego

O artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 estabelece: o trabalhador que receber benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) não pode ser demitido sem justa causa. Essa garantia é válida durante o período de recebimento do benefício e por até 12 meses após seu retorno ao trabalho.

Essa proteção garante certa estabilidade no emprego para trabalhadores com transtornos psiquiátricos que necessitam de afastamento para cuidar da sua saúde mental. 

O papel dos empregadores e orientações para o combate à discriminação no ambiente de trabalho

Os empregadores têm papel fundamental na criação de ambientes mais inclusivos e igualitários. Além de se proteger de passíveis trabalhistas, é uma atitude de empatia, respeito e acolhimento para pessoas que sofrem com doenças, sejam elas mentais ou de outra natureza. 

Criar programas de conscientização dentro das empresas sobre saúde mental conscientiza e capacita os trabalhadores para promover uma cultura organizacional de apoio e compreensão.

Oferecer ajuda e amparo para quem sofre todos os dias com os desafios destas condições, também é uma atitude madura e digna. Com isso contribui-se para reduzir o estigma e o preconceito no ambiente de trabalho, além de impactar positivamente no tratamento e na vida destas pessoas. 

Capacitar líderes para reconhecer sinais de problemas de saúde mental e como lidar com situações delicadas e oferecer apoio aos funcionários que precisam de ajuda.

Desenvolver políticas claras relacionadas à saúde mental no trabalho, incluindo procedimentos para solicitação de licenças médicas e acesso a serviços de apoio.

Incentivar práticas de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal com horários flexíveis, pausas regulares e políticas de licença parental e de saúde para garantir que os funcionários possam cuidar de sua saúde mental e bem-estar. Isso também contribuí para a saúde dos trabalhadores e a produtividade da organização, além de melhorar a reputação da empresa no mercado.

Empresas com boas práticas tendem a reter mais talentos e se tornam referência em gestão de pessoas. 

Combate à discriminação no ambiente de trabalho

A discriminação no ambiente de trabalho ocorre quando uma pessoa é tratada de forma desigual ou injusta com base em suas características pessoais. Essas aspectos são protegidos por lei, como raça, gênero, idade, orientação sexual, religião, deficiência, transtornos psiquiátricos, entre outras.

O julgamento pelo TST sobre a discriminação por transtorno afetivo bipolar do motorista carreteiro, usado como exemplo neste artigo, estabelece um importante marco na proteção dos direitos dos trabalhadores e na promoção da igualdade no ambiente de trabalho. 

Para garantir um ambiente justo e respeitoso para todos os trabalhadores, independentemente de sua condição de saúde, é preciso implementar práticas e políticas inclusivas, de apoio e conscientização. 

Uma cultura sólida de respeito, tolerância e aceitação da diversidade se constrói com ensinamento, consciência e empatia. Todos gostam e merecem ser valorizados e apoiados, independentemente de suas condições de saúde.

A partir de casos como esse apresentado aqui, sempre há inspiração para futuras ações judiciais. Também estimula mudanças positivas nas práticas empresariais relacionadas à saúde mental no trabalho. 

Para conhecer mais sobre os seus direitos, leia os demais textos do nosso blog. 

Fontes: Agência Câmara de Notícias | Consultor Jurídico

Buscar:

Posts mais recentes: